segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

#JeSuisCharlie

Na passada quarta-feira, vi serem atacadas duas das coisas que mais valorizo na vida: a liberdade e a nação que me viu nascer. Apesar de o ataque ter sido em Paris, o berço da Revolução, este não foi apenas dirigido à minha França mas sim a todos os países onde a liberdade é um direito adquirido e inquestionável, seja de expressão, de opinião ou de escolha. Foi um ataque a todos nós e a tudo o que o ser-humano teve de lutar para chegar ao que é hoje. A Revolução Francesa aconteceu há quase trezentos anos mas poderia muito bem voltar a acontecer hoje, neste instante, por ainda haver quem tente que os valores pelos quais ela se regeu não proliferem: A Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade. 

Vivemos num mundo cada vez menos tolerante, em que a crítica de qualquer espécie não tem lugar naquilo que o ego de cada um considera aceitável. E o humor, como todos sabemos, vive muito também da crítica e da sátira. Há quem goste e quem não seja o maior admirador e como tal, como seres-humanos e cidadãos livres que somos (ou deveríamos ser), temos as opções de apreciar ou ignorar, podendo sempre manifestar a nossa opinião em ambos os casos. É assim desde sempre e só desta forma conseguimos evoluir. No entanto, há aqueles que não apoiam a evolução e decidem escolher uma terceira opção: a de tentar calar os outros. Os regimes fascistas optam pela censura e os estados terroristas/religiosos optam antes pelo recurso a armas e a violência, chacinando por ano milhares e milhares de pessoas em prol de uma entidade divina cuja existência desconhecem e à qual julgam agradar com sacrifícios humanos. Não aceitam a crítica àquilo em que acreditam e não têm sentido de humor quando são eles os visados pela sátira. Todos temos o direito de não gostar de algo e somos livres de o manifestar, desde que isso não afecte de maneira nenhuma o próximo. No caso desta "gente", o próximo não interessa e o ego, o tão importante ego, é o que é preciso manter intacto, mate-se quem se tiver de matar. Sendo eu uma pessoa assumidamente agnóstica, as minhas perguntas são: Será que Deus ou Buda ou Alá ou o Profeta Maomé, ou qualquer outra entidade máxima de uma religião, gostariam realmente de assistir a estes episódios sangrentos em seu nome? É isso que os livros sagrados atestam, "mata o próximo que ataque, de qualquer forma, o teu deus"? Que estatuto tão especial e intocável tem a religião, pela qual já se lutaram e continuam a lutar tantas guerras? Quem é que nos concede o direito máximo de tirar deliberadamente uma vida, com o único propósito de a eliminar da equação (que tem de ter o resultado que nós queremos) e quem é que é responsável por traçar os limites da nossa liberdade? Porque sim, e reitero-o, isto não passou de um ataque à liberdade nas suas mais variadas formas. É por isso que eu sou e sempre serei Charlie. Porque, acima de tudo, valorizo a liberdade com que nasci e, tal como todas as vítimas daquela redacção, gosto de poder dar-lhe uso e prefiro mil vezes morrer de pé do que ajoelhada e rendida àqueles que ma tentem tirar. 

Citando Bernardo Erlich, o mundo tornou-se tão sério que o humor é uma profissão de risco. Tentando encontrar um lado engraçado em tudo isto, se é que tal é possível, o Mundo, outrora tão dividido, uniu-se como nunca e Paris, a capital francesa, tornou-se também no coração de uma guerra que, apesar de quase invisível, apenas se encontra no seu início. Podem ter tentado destruir aquele jornal mas apenas lhe concederam o estatuto de intocável; mataram os cartoonistas mas não fizeram mais do que tornar os seus nomes imortais. Hoje, graças àqueles energúmenos que, munidos de armas letais, desataram a disparar sem dó nem piadade, todos sabemos o que é o Charlie Hebdo e quem foram Cabu, Wolinsky, Tignous, Charb e Honoré. Hoje, como uma só força, todos lutamos pela Liberdade. E que nenhuma de todas estas mortes tenha sido em vão.

1 comentário:

  1. Concordo contigo quando dizes que que a liberdade, seja ela qual for é um direito inquestionável. E, obviamente, mesmo não sendo apreciadora de crítica sarcástica só porque sim (veja-se por exemplo noutro contexto os hate blogs) os veículos que as emitem têm (e têm que ter) toda a liberdade de existir e de se expressar. Tal como eu tenho a liberdade de dizer que não aprecio. No entanto não me parece, de todo, que seja uma questão de religião. Essa é só a manipulação que serve o engodo. No fim, tudo se resume a uma questão de poder. Tenho visto muitos muçulmanos, e sou pessoalmente amiga de uma muçulmana que tendo no Corão a base da rua religião deixou o véu há muito, que condenam absolutamente este tipo de ataques. E que dizem, abertamente, que podem ser motivados por mil e uma coisas menos pelos escritos de Maomé. No fundo acho que o problema se prende com a radicalização que, seja lá de que tipo for, é sempre má. Lembremo-nos, no entanto, que também em nome da religião as Cruzadas e a Inquisição mataram, vergonhosamente, milhares de pessoas.
    Ainda assim não posso deixar de referir que as políticas governamentais francesas (ao contrários das inglesas por exemplo) deixaram a porta demasiado aberta. E com isto refiro-me ao facto de quererem levar ao máximo o respeito pelo outro. O que, no fim, levou a que tenhamos que respeitar a cultura deles, os árabes, em todo o lado. Se está cá, nomeadamente em França, temos que respeitar que uma mulher islâmica use o véu na escola porque é a cultura dela. Mas se eu ou tu ou qualquer francesa for à Arábia Saudita tem que obrigatoriamente colocar o véu porque estamos no país deles e temos que respeitar. Ora, a minha cultura manda-me andar com os cabelos destapados e as pernas de fora se bem me apetecer. Mas nenhum Estado Islâmico o permitiria a uma mulher ocidental. Logo aí há uma grande diferença nos pesos e nas medidas.
    Este assunto dá pano para mangas e já escrevi demais. Mas claro que, como disse inicialmente, concordo contigo. E gostei da forma como abordaste o tema. Gosto muito de ler textos bem escritos e tu escreves bem.

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